A FACE OCULTA DO PT
Ildo Sauer
denuncia como José Dirceu entregou o Pré-Sal para Eike Batista (Parte final -
Os leilões dos campos da Petrobras)
Agradecendo ao comentarista Mario Assis, que nos enviou a matéria,
publicamos hoje a segunda parte da importantíssima entrevista do professor Ildo
Sauer, diretor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São
Paulo, concedida a Pedro Estevam da
Rocha Pomar e Thaís
Carrança, da revista da Associação dos Docentes da USP (Adusp).
Considerado um dos maiores especialistas em energia
do país, ex-diretor da Petrobras no primeiro governo Lula, Sauer conta como foi
descoberto o Pré-Sal e denuncia o lobby feito por José Dirceu para entregar a
Eike Batista a maior parte das reservas do pré sal.
Revista Adusp: Você ainda estava na Petrobras, quando o
Pré-Sal foi descoberto?
Ildo Sauer - Eu
ajudei a tomar essa decisão. Nós tomamos essa decisão, não sabíamos quanto ia
custar. O poço de Tupi custou US$ 264 milhões, para furar os 3 km de sal e
descobrir que tinha petróleo. O Lula foi avisado em 2006 e a Dilma também, de
que agora um novo modelo geológico havia sido descoberto, cuja dimensão era
gigantesca, não se sabia quanto. Então, obviamente, do ponto de vista político,
naquele momento a nossa posição, de muitos diretores da Petrobras,
principalmente eu e Gabrielli, que tínhamos mais afinidade política com a
proposta do PT de antigamente, a abandonada, achávamos que tinha que parar com
todo e qualquer leilão, como aliás foi promessa de campanha do Lula.
Na transição, ainda a Dilma falou, “não
vai ter mais leilão”. Mas se subjugaram às grandes pressões e mantiveram os
leilões. Fernando Henrique fez quatro, Lula fez cinco. Lula entregou mais áreas
e mais campos para a iniciativa privada do petróleo do que Fernando Henrique.
Um ex-ministro do governo Lula e dois do
governo FHC foram assessorar Eike Batista. O que caberia a um governo que
primasse por dignidade? Cancelar o leilão. Por que não foi feito? Porque tanto
Lula, quanto Dilma, quanto os ex-ministros, estavam nessa empreitada”
Revista Adusp: Mas Gabrielli era contra e acabou
concordando?
Ildo Sauer - Não.
A Petrobras não manda nisso, a Petrobras é vítima, ela não era ouvida. Quem
executa isso é a ANP [Agência Nacional do Petróleo], comandada pelo PCdoB, e a
mão de ferro na ANP era da Casa Civil. Então a voz da política energética era a
voz da Dilma, ela é que impôs essa privatização na energia elétrica e no
petróleo. Depois do petróleo já confirmado em 2006, a ANP criou um edital pelo
qual a Petrobras tinha limitado acesso. Podia ter no máximo 30% ou 40% dos
blocos, necessários para criar concorrência. Porque, em 2006, Tupi já havia
sido furado e comunicado. O segundo poço de Tupi, para ver a dimensão, foi
feito mais adiante, esse ficou pronto em 2007. Só que o Lula e a Dilma foram
avisados pelo Gabrielli em 2006.
Muitos movimentos sociais foram a
Brasília, nós falávamos com os parlamentares, os sindicatos foram protestar. O
Clube de Engenharia, que é a voz dos engenheiros, mandou uma carta ao Lula, em
2007, pedindo para nunca mais fazer leilão.
Em 2005-6, o [Rodolfo] Landim, o
queridinho do Lula e da Dilma, saiu da Petrobras. Porque o consultor da OGX, do
grupo X, do senhor [Eike] Batista, era o ex-ministro da Casa Civil (José
Dirceu), e ele sugeriu então que Eike entrasse no petróleo. Aí ele contratou o
Landim, que começou a arquitetar. Como o centro nevrálgico da estratégia da
Petrobras é a gerência executiva de exploração, o geólogo Paulo Mendonça,
nascido em Portugal, formado aqui na USP, e o Landim, articularam para em 2007
criar uma empresa nova, a partir dos técnicos da Petrobras. E o senhor Batista
queimou alguns milhões de dólares para assinar os contratos e dar as luvas
desses novos cargos, que estavam dentro da Petrobras mas, desde que o Landim
foi trabalhar com o senhor Batista, ele já estava lá para arrancar de dentro da
Petrobras esses técnicos.
Aí chegou o fim de 2007, todos nós
pressionando para não ter mais leilão, o Lula tira 41 blocos… Mas vamos voltar
a 2006. Em 2006, quem anulou o leilão foi a Justiça, por discriminação contra a
Petrobras fazer essas coisas. Ouvi isso da Jô Moraes, num debate
Só que aí se criou o seguinte imbróglio:
um ex-ministro do governo Lula e dois do governo Fernando Henrique, Pedro Malan
e Rodolpho Tourinho, foram assessorar o Eike Batista. Ele já tinha gasto um
monte para criar sua empresa de petróleo. Se o leilão fosse suspenso, ele ia
ficar sem nada, e já tinha aliciado toda a equipe de exploração e produção da
Petrobras.
O que caberia a um governo que primasse
por um mínimo de dignidade para preservar o interesse público? Cancelar o
leilão e processar esses caras que saíram da Petrobras com segredos
estratégicos. Por que não foi feito? Porque tanto Lula, quanto Dilma, quanto os
ex-ministros, os dois do governo anterior e um do governo Lula, estavam nessa
empreitada.
Revista Adusp: Quem era o ex-ministro?
Ildo Sauer - O
ex-chefe da Casa Civil, antecessor de Dilma.
Revista Adusp: José Dirceu?
Ildo Sauer - É,
ele foi assessor do Eike Batista, consultor. Para ele, não era do governo, ele
pegou contrato de consultoria, para dar assistência nas negociações com a
Bolívia, com a Venezuela e aqui dentro. Ele [Dirceu] me disse que fez isso. Do
ponto de vista legal, nenhuma recriminação contra ele, digamos assim. Eu tenho
(recriminação)contra o governo que permitiu se fazer.
E hoje ele [Eike] anuncia ter 10 bilhões
de barris já, que valem US$ 100 bilhões. Até então, esse senhor Batista era um
milionário, tinha cerca de US$ 200 milhões. Todo mundo já sabia que o Pré-Sal
existia, menos o público, porque o governo não anunciou publicamente. As
empresas que operavam sabiam, tanto que a Ente Nazionale Idrocarburi D’Italia
(ENI) pagou US$ 300 milhões por um dos primeiros poços leiloados em 2008. Três
ou quatro leilões foram feitos quando o leilão foi suspenso pela justiça. Até
hoje, volta e meia o [ministro] Lobão ameaça retomar o leilão de 2008, 2006. A
oitava rodada. Para entregar. Tudo em torno do Pré-Sal estava entregue naquele
leilão.No leilão seguinte, o governo insiste em leiloar. E leiloou. E na franja
do Pré-Sal é que tem esse enorme poderio.
Como é que pode? A empresa dele (Eike) foi
criada em julho de 2007. Em junho de 2008 ele fez um Initial Public Offering,
arrecadou R$ 6,71 bilhões por 38% da empresa, portanto a empresa estava valendo
R$ 17 bilhões, R$ 10 bilhões dele. Tudo que ele tinha de ativo: a equipe
recrutada da Petrobras e os blocos generosamente leiloados por Lula e Dilma. Só
isso. Eu denunciei isso já em 2008. Publicamente, em tudo quanto é lugar que eu
fui, eu venho falando para que ficasse registrado antes que ele anunciasse as
suas descobertas. Porque fui alertado pelos geólogos de que lá tinha muito
petróleo.
Foi um acordo que chegaram a fazer, numa
conversa entre Pedro Malan, Rodolpho Tourinho e a então ministra-chefe da Casa
Civil (Dilma), em novembro, antes do leilão. O Lula chegou a concordar, segundo
disse o pessoal do MST e os sindicalistas, em acabar com o leilão. Mas esse
imbroglio, de o empresário ter gasto dezenas de milhões de dólares para
recrutar equipe e apoio político nos dois governos fez com que eles
mantivessem… Tiraram o filé-mignon, mas mantiveram o contra-filé. O contra-filé
é alguém que hoje anuncia ser o oitavo homem mais rico do mundo.
E tudo foi mediante essa operação no seio
do governo. Contra a recomendação dos técnicos da Petrobras, do Clube de
Engenharia, do sindicalismo. Foi a maior entrega da história do Brasil. O ato
mais entreguista da história brasileira, em termos econômicos. Pior, foi dos
processos de acumulação primitiva mais extraordinários da história do
capitalismo mundial. Alguém sai do nada e em três anos tem uma fortuna de
bilhões de dólares.
A Petrobras durante a vida inteira
conseguiu descobrir 20 bilhões de barris de petróleo, antes do Pré-Sal. Este
senhor, está no site da OGX, já tem 10 bilhões de barris consolidados. Os
Estados Unidos inteiros têm 29,4 bilhões de barris. Ele anuncia que estará
produzindo, em breve, 1,4 milhão de barris por dia — o mesmo que a Líbia produz
hoje.
É esse o quadro. Ou a população brasileira
se dá conta do que está em jogo, ou o processo vai ser o mesmo de sempre. Do
jeito que foi-se a prata, foi-se o ouro, foram-se as terras, irão também os
potenciais hidráulicos e o petróleo, para essas negociatas entre a elite. O
modelo aprovado não é adequado. Mantém-se uma aura de risco sem necessidade,
para justificar que o cara está “correndo risco”, mas um risco que ele já sabe
que não existe.
Qual é a nossa proposta? Primeiro, vamos mapear
as reservas: saber se temos 100 bilhões, 200 bilhões, 300 bilhões de barris.
Segundo, vamos criar o sistema de prestação de serviço: a Petrobras passa a
operar, recebe por cada barril de petróleo produzido US$ 15 ou US$ 20, e o
governo determina o ritmo de produção. Porque há um problema: a Arábia Saudita
produz em torno de 10 milhões de barris, a Rússia uns 8 milhões de barris,
depois vêm os outros, com2 a4 milhões de barris por dia: Venezuela, Iraque,
Irã. O Eike Batista anuncia a produção de 1,4 milhão de barris, a Petrobras
anuncia 5 milhões de barris e pouco. Significa que o Brasil vai exportar uns 3
ou 4 milhões de barris. Já é o terceiro ator. Não se pode fazer mais isso.
Fonte: www.tribunadaimprensa.com.br
01/05/2012
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