OS
EFEITOS SAMARCO E O GERENCIAMENTO DO CAPITALISMO FINANCEIRO
Samarco,
a agonia do capitalismo financeiro.
Data:
27/11/2015
Autor:
André Araújo
O
caso das barragens da Samarco nos leva a reflexões colaterais sobre o
capitalismo financeiro e seus personagens. A Samarco hoje é controlada pela
maior companhia de mineração do mundo, a BHP, fusão da Broken Hill Proprietary,
fundada na Austrália em 1851, e a Billiton, originada na Indonésia holandesa na
mesma época, depois integrante do Grupo Royal Dutch Shell, e a nossa Vale, cuja
origem é a americana Itabira Iron, de Percival Farquar, maior empresário do
Brasil nas primeiras décadas do Século XX, empresa nacionalizada pelo
Presidente Artur Bernardes e que virou Cia. Vale do Rio Doce na década de 40.
Como
empresas tão experientes lograram correr um nível de risco patrimonial tão alto
a ponto de incorrer em indenizações que provavelmente vão zerar o valor
financeiro da Samarco? Esta faturou R$ 7,2 bilhões em 2014, ganhou líquidos 2,8
bilhões e investiu apenas 78 milhões em segurança ambiental. Com um pouco mais
reforçaria as barragens, que são de terra, as mais baratas que existem,
instalaria sensores para monitorar o risco da pressão do volume sobre a parede
e, com mitigação maior de risco, transformaria a parte de terra despejada na
represa em pellets, que poderiam ser armazenados fora da represa e diminuiriam
consideravelmente o volume dentro da
barragem. Assim, ficaria com muito menor ocupação resultante apenas em água
impura, mas em muito menor volume do que o conjunto lama+detritos+água. Essa
solução mais definitiva custaria um pouco mais, mas seria um seguro infinitamente
mais barato do que o custo econômico que agora cairá sobre a empresa que será
devorada pelas indenizações.
Como
os executivos não assumiram esse caminho? Por causa do modelo de capitalismo
financeiro que vem assumindo a direção das grandes empresas da economia
produtiva. Foram-se os executivos
"de indústria", "do
ramo". Hoje, assumiu uma geração de jovens calculistas que trabalham
exclusivamente com planilhas, índices, taxas de retorno. Não tem ligação com o
produto físico, com as máquinas, com a terra, com o minério, com a barragem. O
mundo deles e de seus chefes e acionistas é exclusivamente financeiro.
O
lucro pode ser fantástico, mais de um terço do faturamento, mas nem por isso a
pressão para obter mais é da essência dessa cultura financeira. Fora das planilhas e dos "budgets",
dos "targets", não tem mais nada no radar, nem o futuro da empresa, é
só o próximo trimestre, base dos bônus. No semestre posterior pode ter caído o
CEO mundial do grupo e o CEO da Samarco, então a única meta que conta é o lucro
do trimestre.
Conheci
profundamente o sistema. De 1974 a 1978, fui o principal executivo de uma
subsidiaria de multinacional americana no Brasil, havia uma obsessão com a meta
trimestral, nada mais importava. No fim de cada trimestre, todos os
executivos-chefes de cada divisão viajavam para a matriz em St. Louis, eram 130
divisões no mundo e lá mesmo no bunker do subsolo do prédio havia, durante toda
a semana, em um auditório, uma revisão do budget de cada divisão. Se o
executivo não tivesse atingido a meta era execrado em público e alguns
despedidos lá mesmo. Depois, partia-se para fixação da nova meta para o
trimestre seguinte, a pressão era intensa visando aumentar o lucro prometido,
máxima pressão, até que o executivo acabasse por aceitar, mesmo sabendo que era
impossível atingir, pelo menos ele teria o emprego por mais um trimestre.
Era
um sistema diabólico para espremer cada divisão como um limão. Isso há 40 anos.
Hoje, está muito pior, o único critério de sucesso é aumentar a taxa de retorno
para o acionista com o mínimo de investimento, o mínimo de empregados e o maior
aproveitamento dos ativos. Os que atingiam e ultrapassavam um pouco viravam
heróis e eram homenageados com convite para jantar com o CEO, ganhavam sorrisos
e cumprimentos, às vezes até promoção no ato.
Esse
"capitalismo do trimestre" leva a mega distorções. É possível
aumentar o lucro no curto prazo economizando em itens que causarão danos só no
longo prazo, como não fazer a manutenção periódica dos equipamentos, trocar mão
de obra cara por mais barata, rebaixar a qualidade do produto, continua
vendendo, mas vai queimando a marca. Economizar na segurança ambiental é uma
típica manobra para aumentar o lucro no curto prazo, a custo do longo prazo...
Esse
é o típico capitalismo AMBEV: padronizar
todas as cervejas, só muda o rótulo, o gosto é o mesmo. Isso faz cair o custo
por causa dos mega volumes de uma fabricação uniforme, abrindo espaço para
centenas de fábricas de cervejas artesanais, porque o consumidor não quer o
mesmo paladar padronizado. Isso é o capitalismo financeiro, os controladores da
AMBEV são todos financistas e não industriais, heróis do capitalismo de corte
de custos até o osso.
Hoje,
firmas como a BHP e a Vale são controladas por fundos e não por pessoas. Os
fundos querem taxas de retorno, é preciso pressionar os executivos. Estes,
encostados na parede, cortam custos essenciais para fazer subir a taxa de
retorno. Esse capitalismo deixa destroços pelo caminho, no limite vão acabar
com o emprego e a sustentabilidade do planeta. O caso SAMARCO pode ser um dos
maiores símbolos desse sistema que gera sua própria autodestruição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário