A
PALAVRA DE ROBERTO CAMPOS
INTRÓITO, POR ALUIZIO
GOMES
Tudo o que acontece
agora com a Petrobrás já estava previsto há anos pela lucidez de Roberto Campos,
um homem que esteve 50 anos à frente do seu tempo.
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“Quando for escrita a
história econômica do Brasil nos últimos 50 anos, várias coisas estranhas
acontecerão. A política de autonomia tecnológica em informática, dos anos 70 e
80, aparecerá como uma solene estupidez, pois significou uma taxação da
inteligência e uma subvenção à burrice dos nacionalistas e à safadeza de
empresários cartoriais. Campanhas econômico - ideológicas como a do "o
petróleo é nosso" deixarão de ser descritas como uma marcha de patriotas
esclarecidos, para ser vistas como uma procissão de fetichistas
anti-higiênicos, capazes de transformar um líquido fedorento num unguento sagrado.
Foi uma "passeata da anti razão" que criou sérias deformações
culturais, inclusive a propensão funesta às "reservas de mercado"
.
A criação do monopólio
estatal de 1953 foi um pecado contra a lógica econômica. Precisamente nesse
momento, o ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, mendigava um empréstimo de US$
300 milhões ao Eximbank, para cobertura de importações correntes (inclusive de petróleo).A
ironia da situação era flagrante: de um lado, o país mendigava capitais de
empréstimos que agravariam sua insolvência, de outro, pela proclamação do
monopólio estatal, rejeitava capitais voluntários de risco. Ao invés de sócios
complacentes (cuja fortuna dependeria do êxito do país), preferìamos credores
implacaveis(que exigiriam pagamento, independentemente das crises
internas).Esse absurdo ilogismo levou Eugene Black, presidente do Banco
Mundial, a interromper financiamentos ao Brasil durante cerca de dez anos(com
exceção do projeto hidrelétrico de Furnas, financiado em 1958).Houve outros
subprodutos desfavoráveis.
Criou-se uma cultura de
"reserva de mercado", hostil ao capitalismo competitivo. Surgiu uma
poderosa burguesia estatal que, protegida da crítica e imune à concorrência,
acumulou privilégios abusivos em termos de salários e aposentadorias.
Criou-se uma falsa
identificação entre interesse da empresa e interesse nacional, de sorte que a
crítica de gestão e a busca de alternativas passaram a ser vistas como traição
ou impatriotismo.
Vistos em retrospecto,
os monopólios estatais de petróleo, que se expandiram no Terceiro Mundo nas
décadas de 60 e 70, longe de representarem um ativo estratégico, tornaram-se um
cacoete de países subdesenvolvidos na América Latina, África e Médio
Oriente.Nenhum país rico ou estrategicamente importante, nem do Grupo dos 7 nem
da OCDE, mantém hoje monopólios estatais, o que significa que os monopólios não
são necessários nem para a riqueza nem para a segurança estratégica.
Essas considerações me
vêm à mente ao perlustrar os últimos relatórios da Petrossauro.Ao contrário de
suas congêneres terceiro-mundistas, que são vacas-leiteiras dos respectivos
Tesouros, a Petrossauro sempre foi mesquinha no tratamento do acionista
majoritário. Tradicionalmente, a remuneração média anual do Tesouro, sob a
forma de dividendos líquidos, não chegou a 1% sobre o capital aplicado. Após a
extinção de jure do monopólio, em 1995(ele continua de facto), e em virtude da
crítica de gestão e da pressão do Tesouro falido, os dividendos melhoraram um
pouco, ma non troppo.
Muito mais generoso é o
tratamento dado pela Petrossauro à Fundação Petros, que representa patrimônio
privado dos funcionários.
A empresa é dessarte muito mais um instituto
de previdência, que trabalha para os funcionários, do que uma indústria
lucrativa, que trabalha para os acionistas. Aliás, é duvidoso que a Petrossauro
seja uma empresa lucrativa.Lucro é o resultado gerado em condições
competitivas. No caso de monopólios, é melhor falar em resultados.Quanto à
Petrossauro, se fosse obrigada a pagar os variados tributos que pagam as
multinacionais aos países hospedeiros-bônus de assinatura, royalties polpudos,
participação na produção, Imposto de Renda e importação-teria que registrar
prejuízos constantes, pois é alto seu custo de produção e baixa sua eficiência,
quer medida em barris/dia por empregado, quer em venda anual por
empregado.
Examinados os balanços
de 1995 a 1998, verifica-se que o somatório dos dividendos ao Tesouro(pagos ou
propostos) alcançam R$ 1,606 bilhão enquanto que as doações à Petros atingiram
2,054 bilhões.
Considerando que o
Tesouro representa 160 milhões de habitantes e vários milhões de contribuintes,
enquanto que a burguesia do Estado da Petrossauro é inferior a 40 mil pessoas,
verifica-se que é o contribuinte que está a serviço da estatal e não vice-
versa.
Nota-se hoje no Governo
uma perigosa tendência de postergação das privatizações seja na área de
petróleo, seja na área financeira, seja na eletricidade.É um erro grave, que
põe em dúvida nosso sentido de urgência na solução da crise e nossa percepção
dos remédios necessários.A privatização não é uma opção acidental nem coisa
postergável, como pensam políticos irrealistas e burocratas corporativistas.É
uma imposição do realismo financeiro.Há duas tarefas de saneamento
imprescindíveis.A primeira consiste em deter-se o "fluxo" do
endividamento ( o objeto mínimo seria estabilizar-se a relacão
endividamento/PIB).Essa é a tarefa a ser cumprida pelo ajuste
"fiscal".
A segunda consiste em
reduzir-se o estoque da dívida.Esse o objetivo da reforma
"patrimonial", ou seja, a "privatização".
Não se deve subestimar
a contribuição potencial da reforma patrimonial para a solução de nosso impasse
financeiro.
Tomemos um exemplo
simplificado.
Apesar da crise das
Bolsas, a venda do complexo Petrossauro-BR Distribuidora poderia gerar uma
receita estimada em R$ 20 bilhões.
Considerando-se que a
rolagem da dívida está custando ao Tesouro 40% ao ano, uma redução do estoque
em R$ 20 bilhões, representaria uma economia a curto prazo de R$ 8 bilhões.Isso
equivale a aproximadamente 20 anos dos dividendos pagos ao Tesouro pela
Petrossauro na média do período 1995-1998 (a média anual foi de R$ 401,7
milhões).
Se aplicarmos o mesmo
raciocínio à privatização de bancos estatais e empresas de eletricidade,
verificaremos que a solvência brasileira dificilmente será restaurada pela
simples reforma fiscal.Terá que ser complementada pela reforma patrimonial.
É perigosa complacência
a atitude governamental de que a reforma fiscal é urgente e a reforma
patrimonial postergável. É dessas complacências e meias medidas que se compõe
nossa lamentável, repetitiva e humilhante crise existencial.”
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