A
REVOLUÇÃO DE MILTON FRIEDMAN
Por
Michael Hirsh
Milton Friedman, apesar de sua baixa estatura
física, foi um gigante intelectual do século XX, cujas idéias, para o bem ou
para o mal, provocaram fortes mudanças nas políticas globais, transcendendo
ainda dentro do século XXI.Ele foi sincero o suficiente para reconhecer quando
essas idéias, ao invés de ajudarem o progresso dos povos, na verdade estavam,
em outro estágio, aumentando a pobreza.
O
economista austríaco Friedrich von Hayek é muitas vezes citado mais
freqüentemente do que Friedman como o patrono do moderno laissez-faire.Foi
Hayek quem mais inspirou a evolução do livre mercado na Grã Bretanha, onde a
primeira ministra Margareth Thatcher lançou uma histórica campanha para
privatizar a indústria nacionalizada.Porém o maior impacto de Hayek foi como um
teórico político que fez uma poderosa crítica da falácia do planejamento
socialista.Foi Friedman e sua Escola de Chicago,cujos proeminentes discípulos
incluíam Robert Lucas, George Stigler e Gary Becker, quem lançaram o
embasamento teórico para o renascimento do pensamento liberal nos Estados
Unidos, nos anos 90.
Friedman
convenceu os políticos americanos a
adotarem a então radical idéia de que a intervenção governamental atrapalha,
invés de melhorar os mercados. Elucidadas no seu livro, de 1962, “Capitalismo e Liberdade”, as idéias de
Friedman percolaram da Escola de Chicago até Washington: de Barry Goldwater
(Friedman foi seu assessor) até Reagan (cujo famoso discurso na Convenção
Nacional do partido Republicano de 1964 foi um libelo contra altos impostos e
burocracia), influenciando ainda Wall Street, Alan Greenspan e mesmo Bill
Clinton.
As
idéias de Friedman foram vivenciadas no fim dos anos 70.Inflação da era
Vietnam, exorbitantes despesas da guerra e da Grande Sociedade levaram ao
desemprego e inflação, chegou à casa dos 14%.A conjugação desses dois fatores,
chamada de estagflação, solapou a crença básica de John Maynard Keynes que
desemprego e inflação seriam mutuamente excludentes e que poderiam ser
resolvidos por ações de governo. Keynes acreditava que deixando solta a
inflação, o desemprego diminuiria, e vice-versa. Keynes acreditava que
políticas governamentais bem estruturadas poderiam compensar o desemprego,
dando estímulo fiscal, e mais adiante retirar o estímulo, quando a economia se
recuperasse.Porém Keynes não previu quão difícil seria um governante eliminar
os programas de gastos públicos, devido ao vício que criava no seio da
sociedade.Foi isto que levou a crescentes déficits e inflação, permitindo a
implementação da idéias de Friedman.
A
revolução do livre mercado de Hayek e Friedman alcançou o auge nos anos 90.Da
mesma forma como o Keynesianismo, com sua ênfase no controle governamental dos
mercados, o qual havia sido durante tanto tempo a inquestionável ortodoxia,
agora o pêndulo havia virado na direção contrária.O colapso da União Soviética pareceu provar que os
mercados sob controle governamental não funcionavam, e assim a doutrina do
laissez-faire foi resgatada, deixando de ser o patinho feio da economia.O eixo
da economia girou para a direita, tornando os republicanos defensores do
governo mínimo e os democratas em "Republicanos Eisenhower", como
Clinton se autodenominava.Até hoje, o liberalismo norteia a maioria das
decisões políticas sobre economia . Como Stephen Roach, um economista de Morgan
Stanley, me disse, Friedman e a escola de Chicago “criaram um consenso que a política é
impotente para resolver problemas econômicos e que o sistema pode fazê-lo
sozinho.” Ao acontecer a era de promulgar as idéias neoliberais além-mar, os políticos
americanos tinham um modelo único, imutável, que deveria servir em qualquer
parte do globo.Sem perceber completamente esta falha, talvez,eles acabaram
dando conselhos diversos daqueles que dariam internamente.O governo americano
não desmantelou de imediato o welfare state em favor de mercados
competitivos.Reagan suportou déficits orçamentários durante todo o seu mandato,
e até o gasto governamental, como percentagem do PIB, na realidade
aumentou.Porém, economias em desenvolvimento, especialmente aquelas
recentemente agregadas ao mercado, como a Rússia pós-soviética, providenciaram
uma tabula rasa para a experiência neoliberal.Clinton pregou como um Friedman
baby-boomer.In 1993 o presidente assinou o GATT( General Agreement on Tariffs
and Trade) e o NAFTA, a peça central da sua agenda política.
O
Friedmanismo,como a maioria das revoluções, estendeu-se demais.Na empolgação
após a vitória na guerra fria, o ideário exagerou na dose, tentando ser uma
panacéia para o mundo em desenvolvimento.O fervor do livre mercado provocou uma
paixão pela desregulamentação.Sob a tutela de jovens neoliberais, muitas nações
correram pressurosas em privatizações,
extinguindo velhos sistemas, porém sem planejar o que viria após.
Mas,
Friedman e seus discípulos da Escola de Chicago estavam corretos em muitas
coisas que divulgaram. A grosso modo, os mercados são mais eficientes do que os
governos no funcionamento da economia.Não resta dúvida que a liberalização dos
mercados nos anos 90 provocou aumento
global da riqueza.Mas, o livre comércio também exacerbou desigualdades entre
ricos e pobres, porque se o capital
ficou livre para se instalar onde escolhesse, o trabalho não tinha essa
opção. Isto explica porque a liberalização foi tão bem recebida em Wall Street
e Washington, mas não naqueles lugares onde fábricas fecharam.“Eu penso que,
quando os historiadores do futuro olharam para o final do século XX",
afirmou Alan Blinder, ex-vice-presidente do Federal Reserve, “a mudanças do
trabalho para o capital,e a quase sem precedente acumulação de capital entre os
mais ricos, isto vai ser a primeira coisa a ser observada, junto com o fracasso
em integrar no sistema os paises mais pobres.E eles ficarão espantados coma
naturalidade como essas coisas foram aceitas".
Até
mesmo Friedman compreendeu isto, mais ou menos.Especialmente no caso da antiga
União Soviética, ele percebeu que a privatização muito acelerada levou apenas a
uma partilha dos antigos ativos estatais entre antigos altos funcionários do
Partido Comunista.E isto acarretou uma forte corrupção, fora de controle.Quando
eu o entrevistei pela última vez, em princípios de 2003, ele reconheceu que a
revolução privatizante tinha ido longe demais.Os críticos, disse ele,como o
ex-chefe econômico do Banco Mundial e prêmio Nobel, Joseph Stiglitz, estavam
corretos em pedir uma ação mais lenta na liberalização, e mais investimento em
infra-estrutura. “Logo após a queda da União Soviética, quando me perguntavam o
que deveria ser feito, eu sempre respondia; privatizar, privatizar, privatizar.Mas
eu estava errado, e Stiglitz estava certo.O que nós queremos, na verdade, é
privatizar, mas sob a regência da
lei."
Hirsh é o autor do livro “At
War With Ourselves: Why America Is Squandering Its Chance to Build a Better
World” (Oxford).
Artigo
publicado na revista Newsweek em 17/11/2006
Nenhum comentário:
Postar um comentário