sexta-feira, 14 de novembro de 2014

MILTON FRIEDMAN

A REVOLUÇÃO DE MILTON FRIEDMAN

Por Michael Hirsh

 Milton Friedman, apesar de sua baixa estatura física, foi um gigante intelectual do século XX, cujas idéias, para o bem ou para o mal, provocaram fortes mudanças nas políticas globais, transcendendo ainda dentro do século XXI.Ele foi sincero o suficiente para reconhecer quando essas idéias, ao invés de ajudarem o progresso dos povos, na verdade estavam, em outro estágio, aumentando a pobreza.
O economista austríaco Friedrich von Hayek é muitas vezes citado mais freqüentemente do que Friedman como o patrono do moderno laissez-faire.Foi Hayek quem mais inspirou a evolução do livre mercado na Grã Bretanha, onde a primeira ministra Margareth Thatcher lançou uma histórica campanha para privatizar a indústria nacionalizada.Porém o maior impacto de Hayek foi como um teórico político que fez uma poderosa crítica da falácia do planejamento socialista.Foi Friedman e sua Escola de Chicago,cujos proeminentes discípulos incluíam Robert Lucas, George Stigler e Gary Becker, quem lançaram o embasamento teórico para o renascimento do pensamento liberal nos Estados Unidos, nos anos 90.
Friedman convenceu os políticos americanos  a adotarem a então radical idéia de que a intervenção governamental atrapalha, invés de melhorar os mercados. Elucidadas no seu livro, de 1962,  “Capitalismo e Liberdade”, as idéias de Friedman percolaram da Escola de Chicago até Washington: de Barry Goldwater (Friedman foi seu assessor) até Reagan (cujo famoso discurso na Convenção Nacional do partido Republicano de 1964 foi um libelo contra altos impostos e burocracia), influenciando ainda Wall Street, Alan Greenspan e mesmo Bill Clinton.
As idéias de Friedman foram vivenciadas no fim dos anos 70.Inflação da era Vietnam, exorbitantes despesas da guerra e da Grande Sociedade levaram ao desemprego e inflação, chegou à casa dos 14%.A conjugação desses dois fatores, chamada de estagflação, solapou a crença básica de John Maynard Keynes que desemprego e inflação seriam mutuamente excludentes e que poderiam ser resolvidos por ações de governo. Keynes acreditava que deixando solta a inflação, o desemprego diminuiria, e vice-versa. Keynes acreditava que políticas governamentais bem estruturadas poderiam compensar o desemprego, dando estímulo fiscal, e mais adiante retirar o estímulo, quando a economia se recuperasse.Porém Keynes não previu quão difícil seria um governante eliminar os programas de gastos públicos, devido ao vício que criava no seio da sociedade.Foi isto que levou a crescentes déficits e inflação, permitindo a implementação da idéias de Friedman.
A revolução do livre mercado de Hayek e Friedman alcançou o auge nos anos 90.Da mesma forma como o Keynesianismo, com sua ênfase no controle governamental dos mercados, o qual havia sido durante tanto tempo a inquestionável ortodoxia, agora o pêndulo havia virado na direção contrária.O colapso da  União Soviética pareceu provar que os mercados sob controle governamental não funcionavam, e assim a doutrina do laissez-faire foi resgatada, deixando de ser o patinho feio da economia.O eixo da economia girou para a direita, tornando os republicanos defensores do governo mínimo e os democratas em "Republicanos Eisenhower", como Clinton se autodenominava.Até hoje, o liberalismo norteia a maioria das decisões políticas sobre economia . Como Stephen Roach, um economista de Morgan Stanley, me disse, Friedman e a escola de Chicago  “criaram um consenso que a política é impotente para resolver problemas econômicos e que o sistema pode fazê-lo sozinho.” Ao acontecer a era de promulgar as idéias neoliberais além-mar, os políticos americanos tinham um modelo único, imutável, que deveria servir em qualquer parte do globo.Sem perceber completamente esta falha, talvez,eles acabaram dando conselhos diversos daqueles que dariam internamente.O governo americano não desmantelou de imediato o welfare state em favor de mercados competitivos.Reagan suportou déficits orçamentários durante todo o seu mandato, e até o gasto governamental, como percentagem do PIB, na realidade aumentou.Porém, economias em desenvolvimento, especialmente aquelas recentemente agregadas ao mercado, como a Rússia pós-soviética, providenciaram uma tabula rasa para a experiência neoliberal.Clinton pregou como um Friedman baby-boomer.In 1993 o presidente assinou o GATT( General Agreement on Tariffs and Trade) e o NAFTA, a peça central da sua agenda política.
O Friedmanismo,como a maioria das revoluções, estendeu-se demais.Na empolgação após a vitória na guerra fria, o ideário exagerou na dose, tentando ser uma panacéia para o mundo em desenvolvimento.O fervor do livre mercado provocou uma paixão pela desregulamentação.Sob a tutela de jovens neoliberais, muitas nações correram pressurosas  em privatizações, extinguindo velhos sistemas, porém sem planejar o que viria após.
Mas, Friedman e seus discípulos da Escola de Chicago estavam corretos em muitas coisas que divulgaram. A grosso modo, os mercados são mais eficientes do que os governos no funcionamento da economia.Não resta dúvida que a liberalização dos mercados nos anos 90  provocou aumento global da riqueza.Mas, o livre comércio também exacerbou desigualdades entre ricos e pobres, porque se o capital  ficou livre para se instalar onde escolhesse, o trabalho não tinha essa opção. Isto explica porque a liberalização foi tão bem recebida em Wall Street e Washington, mas não naqueles lugares onde fábricas fecharam.“Eu penso que, quando os historiadores do futuro olharam para o final do século XX", afirmou Alan Blinder, ex-vice-presidente do Federal Reserve, “a mudanças do trabalho para o capital,e a quase sem precedente acumulação de capital entre os mais ricos, isto vai ser a primeira coisa a ser observada, junto com o fracasso em integrar no sistema os paises mais pobres.E eles ficarão espantados coma naturalidade como essas coisas foram aceitas".
Até mesmo Friedman compreendeu isto, mais ou menos.Especialmente no caso da antiga União Soviética, ele percebeu que a privatização muito acelerada levou apenas a uma partilha dos antigos ativos estatais entre antigos altos funcionários do Partido Comunista.E isto acarretou uma forte corrupção, fora de controle.Quando eu o entrevistei pela última vez, em princípios de 2003, ele reconheceu que a revolução privatizante tinha ido longe demais.Os críticos, disse ele,como o ex-chefe econômico do Banco Mundial e prêmio Nobel, Joseph Stiglitz, estavam corretos em pedir uma ação mais lenta na liberalização, e mais investimento em infra-estrutura. “Logo após a queda da União Soviética, quando me perguntavam o que deveria ser feito, eu sempre respondia; privatizar, privatizar, privatizar.Mas eu estava errado, e Stiglitz estava certo.O que nós queremos, na verdade, é privatizar, mas sob  a regência da lei."


Hirsh é o autor do livro “At War With Ourselves: Why America Is Squandering Its Chance to Build a Better World” (Oxford). 
Artigo publicado na revista Newsweek em 17/11/2006

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