sábado, 21 de janeiro de 2012

O ÁLCOOL SALVADOR


O ÁLCOOL SALVADOR
(Matéria publicada em 2006, em The American Prospect-TAP)
Por David Morris
No século XIX, a sociedade industrial consumia muito mais derivados vegetais que minerais, numa proporção de 2 para 1: corantes, tintas, produtos químicos, solventes, materiais de construção, e fontes energéticas.
Paulatinamente, este quadro começou a reverter, com o progresso da revolução industrial, onde aço, carvão mineral, e petróleo, passaram a ser usados em maiores quantidades,embora ainda houvesse muita demanda para produtos de origem vegetal: derivados do carvão eram a base de tinturas sintéticas, algodão e polpa de madeira forneciam os insumos para os primeiros plásticos e tecidos sintéticos.Em 1860, o etanol extraído do milho era um produto químico dos mais vendidos, enquanto até 1870 a madeira era a principal fonte de energia.

O primeiro plástico foi um bioplástico.Em meados do século XIX, um fabricante inglês de bolas de bilhar chegou à conclusão que, da forma como se matavam elefantes para  extrair o marfim, em pouco a espécie estaria extinta.A firma, então, ofereceu um belo prêmio para quem criasse um produto com propriedades semelhantes ao marfim, e que fosse derivado de uma matéria prima mais abundante.Dois gráficos de Nova Jersey, John e Isaiah Hyatt, ganharam o prêmio por um derivado de algodão, denominado colódio.

Ironicamente, o colódio nunca deslanchou como bola de bilhar.Este plástico, cujo nome científico é nitrato de celulose,é mais conhecido como pólvora de algodão, um explosivo médio.Quando uma pilha de bolas de bilhar se quebrava, havia uma explosão, causando ferimentos e confusão em muitos salões de bilhar.Sem embargo, o colódio teve outras aplicações, em próteses dentárias e botões.Mais tarde, outro plástico derivado do algodão, o celulóide, teve sucesso na fotografia e cinema.Celulóide chega a ser sinônimo de cinema.No fim do século XIX, os nomes de muitas companhias, assim como de muitos produtos industriais freqüentemente usavam um derivado da palavra celulose, uma substância que reveste as células vegetais consistindo de uma longa cadeia de átomos de carbono, oxigênio e hidrogênio, por isso mesmo chamadas de carbohidratos.O nome de um dos maiores fabricantes de produtos químicos dos Estados Unidos, Celanese Corporation, era uma contração de celulose com "easy feeling", devido ao fato da sensação de conforto ao se usar roupas feitas com acetato.Após a celulose, o celofane, primeiro filme plástico do mundo, foi um sucesso instantâneo.

Entretanto, por volta de 1920, o país havia alterado a relação vegetal-mineral, usando duas toneladas de minerais para uma tonelada de vegetal.O carvão suplantou a madeira como fonte de energia.Os automóveis movidos a gasolina encheram as ruas.Mesmo assim, fora dos mercados de energia,o carbono de origem vegetal ainda reinava; por exemplo, o rayon, derivado da polpa da madeira, era a fibra sintética mais vendida.As primeiras máquinas de fabricação de plásticos, nos anos 30, usavam derivados de acetato de celulose.Com a Segunda Guerra Mundial, as fontes de borracha  da Ásia  ficaram fora do alcance, e o petróleo árabe ficou difícil de ser alcançado, devido aos ataques de submarinos aos comboios navais, havendo assim um retorno aos produtos vegetais:no Brasil, fabricou-se plástico a partir de grãos de café, na Itália obteve-se tecido a partir de proteínas do leite, e em toda a Europa, os carros rodavam com mistura de álcool na gasolina numa proporção de até 33% de etanol.
Nos Estados Unidos,em 1941, a maior parte da borracha sintética era obtida do etanol, chegando em 1945 a produzir 600 milhões de galões deste produto.A mídia da época reportava sensacionais desenvolvimentos como um carro da Ford,  feito com grande  quantidade de produtos vegetais: painéis, assentos, pneus, eram feitos a partir de proteína de soja, e movidos a etanol derivado do milho.

Com o fim da guerra, voltaram os ocidentais a ter pleno acesso às fontes de petróleo e borracha orientais, e todas as conquistas havidas durante a fase bélica foram esquecidas, ficando o petróleo como rei absoluto da indústria.No fim dos anos 40, o petróleo era tão barato, que custava menos de US $ 1,00 o barril, tornando-o extremamente competitivo, fornecendo combustíveis e plásticos a preço muito baixos.Por outro lado, o Plano Marshall encontrou demanda para os produtos agrícolas americanos, de modo que as coisas se acomodaram de ambos os lados, não prejudicando os agricultores americanos.Com excesso de petróleo, o álcool foi banido dos automóveis; em 1975, os carros já rodavam com 100% de gasolina nos tanques.Até mesmo o etanol começou a ser produzido a partir de petróleo, invertendo a equação.Todo o bioplástico desapareceu, assim como as tintas de origem vegetal.A relação então passou para 8:1 no consumo mineral/vegetal.
 

O Pêndulo Gira de Volta
A partir dos anos 70, a indústria da biomassa, lentamente, voltou à tona, como resultante de três tendências.A primeira foi tecnológica.Avanços na biociências resultaram na diminuição de custos de obtenção dos produtos derivados da biomassa.A princípio, os industriais focaram sua atenção nos produtos de alto valor agregado, como medicamentos e material hospitalar.Por exemplo, nos anos 80, o ácido polilácteo (PLA), um derivado da lactose, foi utilizado para fabricar uma sutura que poderia se absorvida pelo organismo.Apesar de seu alto custo, era ainda economicamente viável sua utilização em cirurgias, porque o consumo em cada operação é muito pequeno.Já nos fins dos anos 90,o custo do PLA baixou dramaticamente, pois agora era feito a partir da frutose, obtida do milho.PLA é extremamente competitivo com os derivados do petróleo, não só em produtos têxteis, mas também em partes plásticas dos automóveis.O segundo fator foi ambiental.O petróleo contém naturalmente enxofre e mercúrio, os quais são bastante poluidores.Os bioplásticos são, evidentemente, biodegradáveis, e assim, medidas governamentais levaram à adoção de bioplásticos e biocombustíveis nas matrizes industriais.

O terceiro fator foi o custo ascendente do petróleo e gás natural.Antes da crise dos anos 70, um barril de petróleo custava apenas US $ 1,80, mas chegou a 34 dólares  em 1982, depois variando em torno de 10 a 30 dólares/barril, até o final do século XX.A partir de 2005, o preço disparou, e não mostra sinais de retroceder, devido à alta instabilidade política no Oriente Médio.Com o petróleo a 50 dólares/barril, muitos produtos da biomassa tornaram-se competitivos.A 60 dólares/barril, o próprio etanol, derivado do milho é competitivo, sem precisar de subsídios.Estes três fatores conjugados abriram mercado para os combustíveis e plásticos de origem vegetal.Entretanto, é preciso considerar a enorme resistência que a poderosa indústria petrolífera faz contra estes produtos.
Após a Primeira Guerra Mundial, a indústria automobilística introduziu o motor de alta compressão.Os combustíveis da época eram detonantes, provocando uma desigual combustão.A indústria passou a pesquisar um produto anti-detonante, chegando ao final com dois produtos:o etanol e o chumbo tetra-etila.Como o etanol exigia 10% de mistura na gasolina, e o chumbo tetra-etila apenas menos de 1%, claro que a indústria preferiu o derivado do chumbo, apesar de alegações de ser um produto prejudicial à saúde.Só na década de 70, a EPA (Environmental Protection Agency), proibiu o chumbo como aditivo da gasolina.Houve então uma oportunidade par se usar o etanol novamente.No entanto, as empresas petrolíferas preferiram usar novos derivados de petróleo, como benzeno, tolueno e xileno.Só em fins dos anos 80, foi descoberto que estes produtos eram cancerígenos.Nova oportunidade para se usar etanol.Teimosamente, a indústria escolheu outro produto, o MTBE, um subproduto das refinarias de petróleo.Em fins dos anos 90 descobriu-se que o MTBE estava poluindo os lençóis de água subterrânea, e então 19 Estados proibiram o MTBE.Só então, voltou o etanol a ser usado como mistura na gasolina, tendo logo dobrado sua produção em apenas três anos.
Entretanto, as empresas petrolíferas ainda ensaiaram nova conspiração contra o álcool.Em 1999, a Califórnia requereu ao governo federal isenção no cumprimento de regras na composição da gasolina, tendo conseguido seu intento, e naquele Estado, voltou a ser usada gasolina 100%, sem adição de etanol.
Apesar de tantos percalços, a marcha dos biocombustíveis é irreversível.Sua produção duplicou nos últimos 2 anos e deve duplicar novamente nos próximos 3 anos vindouros.No Brasil, o etanol já responde por 40% do combustível em automóveis.Lá, 80% dos carros novos são flexfuel.Meia dúzia de paises agora exigem biocombustíveis.A DuPont está desenvolvendo uma divisão específica para este filão.Os óleos vegetais já ocupam 40% do mercado de tintas para impressão de jornais, enquanto os fluidos hidráulicos  cada vez mais são usados de óleos vegetais, e não minerais.Os bioplásticos avançam também.
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David Morris é vice- presidente do Instituto para Auto-Suficiência Local  e dirige o projeto Novas Regras.Foi consultor para assuntos de energia dos presidentes Ford, Carter, Clinton e George W. Bush, e é o autor dos livros A Economia do Carbohidrato (1992) e Um caminho Melhor( 2003)
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Notas de rodapé
O etanol derivado do milho responde hoje por 3% do mercado de combustível automobilístico nos Estados Unidos.
Uma nova "corrida ao ouro" se verifica nas áreas rurais.Sete companhias fizeram proposta para produzir combustível alternativo numa área que se estende de Buffalo a Syracusa, enquanto 25 outras empresas estão buscando uma grande variedade de tecnologias para energia alternativa.
LaPorte adota o biodiesel.Indiana em breve pode se tornar um dos maiores produtores de biocombustíveis, enquanto LaPorte estará a frente de um movimento ambiental que as autoridades esperam ter bons resultados
  

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