segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

OS ARGENTINÓLOGOS


OS ARGENTINÓLOGOS
Artigo escrito por Joelmir Beting, publicado no Jornal do Commercio em 02/02/2002
 

Talebanólogos norte-americanos e argentinólogos brasileiros têm algo em comum: ambos os grupos responsabilizam a globalização e neoliberalismo pelos atentados terroristas de Nova Iorque e pelos descalabros econômicos, sociais e políticos de Buenos Aires.  
Fiquemos na derrocada platina.Botar a culpa no alheio é algo mais que uma absolvição escapista. É refertilizar o jogo do moral hazard que sustenta governos que não governam por que não se governam nem se deixam governar.Pois bem, em matéria de populismo rastaqüera, o peronismo continua sem rival no mundo.
 Ou será culpado o tal de neoliberalismo pela velha blindagem política da gastança pública rosca sem-fim?Um Estado argentino inchado e parasita é obra de meio século de desgovernança nacional, com direito a golpes militares intermitentes. A privatização de estatais falidas não se fez acompanhar do descarte de um único dos 23 bancos estaduais (provinciais), tecnicamente lenientes e politicamente permissivos.
 Bem ao contrário. Tal como se deu aqui no Brasil roto, na Argentina rasgada os bancos estatais das Províncias financiaram déficits a fundo perdido do setor público e créditos sem retorno para apaniguados dos governantes da vez. Nos últimos dois anos de sufoco terminal, as províncias deram-se ao luxo de funcionar como casa da moeda em causa própria.
 Nada menos que 14 governos provinciais emitiram não-moeda com função de moeda (patacones de livre curso) sob o tampão de currency board. Regime leonino, arremedo contábil do antigo padrão ouro, ele vetava a emissão de novos pesos sem o lastro de novos dólares nas reservas internacionais do país.
 Desde quando o colapso argentino pode ser atribuído às sanhas e às manhas do ultraneoliberalismo? Ou por outra: desde quando congelar câmbio (preço relativo de todos os preços do universo econômico), por toda uma década, é rezar pelo catecismo do livre mercado?
Delatores e detratores do fantasioso ultraneoliberalismo do vizinho encalacrado, das duas, uma:
a)ou entendem da Argentina tanto quanto entendem de Usbequistão.
 b) ou não têm noção do que seja ultra, do que seja neo e do que seja liberalismo.
 

 No mais, já que somos todos argentinólogos, penso que organizar um país ainda não organizado, como o Brasil, é tarefa política abrasiva e desgastante.
 Agora, desorganizar um país já organizado, como a Argentina, é façanha política absurda e sinistra.
 
 
 

"Nada mudou desde o fiasco do peronismo.Deus vai ter que continuar consertando durante a noite o que os argentinos estragam durante o dia". Franco Castiglioni - da Universidade de Buenos Aires.
Meio Milênio
O Brasil já consumiu 501 anos e 9 meses sem alcançar o juízo. Ou como escreveu Nelson Rodrigues, em 1963: O subdesenvolvimento não se improvisa.É obra de séculos.Ou no lembrete posterior de Darcy Ribeiro: O subdesenvolvimento brasileiro não é um destino.É uma doença.E, aliás, tem cura.

Desperdício
Brasil em meio milênio e Argentina em meio século são ícones hoje do desperdício universal.Aqui, fomos dopados pela cultura da abundância, irmã siamesa cultura da ineficiência, da acomodação e da tolerância. Responsável pelo nosso atávico desperdício de terra, de água, de mata, de energia, de sossego e de gente.
A verdade é que o Brasil teima em não fazer 70% do que deveria ser feito.E não consegue fazer nem 50% do que já poderia ter feito.


 
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